De tempos em tempos, tenho a oportunidade de me questionar quantos dos meus hábitos, inclusive de consumo, foram escolhidos por mim e quantos foram delineados pela sociedade. A minha mais recente pergunta foi: whisky é coisa de mulher?
Há séculos, o mundo tenta ditar não só onde as mulheres devem estar, mas também como devem falar, se vestir, agir — e até o que devem desejar. O controle sobre os corpos e os comportamentos femininos nunca se deu apenas pela política ou pela economia; ele se infiltrou nos detalhes do cotidiano, na forma como certas escolhas foram historicamente vigiadas, julgadas ou negadas. Quando uma mulher decide o que consome, como ocupa um espaço ou o que coloca no copo, ela está, conscientemente ou não, atravessando um território de liberdade. Porque, no fundo, sempre foi sobre isso: não é sobre a roupa, a carreira ou a bebida, mas sobre quem detém o direito de escolher.
Por muito tempo, dizer o que uma mulher podia ou não consumir foi mais uma entre tantas formas sutis (e, às vezes, nem tão sutis) de controlar seus comportamentos. O exemplo que escolhi para refletirmos aqui é o whisky. A bebida tece a sua imagem historicamente associada ao poder masculino, ao fumo, ao terno e aos cowboys. Mas as coisas estão mudando — e não por concessão, mas por protagonismo. Cada vez mais mulheres estão ressignificando seus espaços, inclusive no universo dos destilados, mostrando que consumo também é escolha, é autonomia, é liberdade. E quando mulheres decidem que o whisky também é delas, não estão apenas escolhendo uma bebida: estão afirmando que lugar de mulher é onde ela quiser — e o que ela quiser beber.
Este movimento não é de hoje! Uma das histórias mais marcantes da Escócia, no universo do whisky, foi protagonizada por uma mulher — e das mais ousadas. No início do século XIX, enquanto a produção de whisky ainda era majoritariamente clandestina e controlada por homens, HelenCumming desafiava o sistema com inteligência, coragem e uma boa xícara de chá.
Moradora da região de Speyside, Helen começou a destilar whisky com o marido, John, usando um pequeno alambique nos fundos de casa. A produção era ilegal, mas isso nunca a impediu. Quando os fiscais do governo apareciam para fiscalizar a propriedade, ela os recebia com hospitalidade, oferecendo chá e bolos, enquanto discretamente avisava os vizinhos para esconder qualquer sinal de atividade. Em algumas situações, chegou a jogar barris no rio Spey para evitar que fossem confiscados.
Em 1824, com a legalização da destilação na Escócia, Helen liderou o processo de registro da produção da família; nascia ali, oficialmente, a destilaria Cardhu. Ela não apenas formalizou o negócio, como consolidou a reputação da marca como uma das mais respeitadas da região.
Dando um salto para a atualidade, outro movimento evidencia o protagonismo das mulheres no mundo do whisky: o Delas é o primeiro
Outro movimento evidencia o protagonismo das mulheres no mundo do whisky: o Delas é o primeiro clube feminino de whisky do Brasil, lançado pela Diageo — Foto: Divulgação/ Mariana Pekin
feminino de whisky do Brasil, lançado pela Diageo. A iniciativa, mais do que reunir apreciadoras da bebida, propõe um convite para que as mulheres ocupem também este espaço historicamente masculinizado, ressignificando narrativas e reafirmando que consumo, prazer e poder de escolha não têm gênero.
Segundo pesquisas da Euromonitor (2022), o consumo de destilados por mulheres cresceu 18%. E hoje, 32% das mulheres que consomem destilados bebem whisky, mostrando a quebra de estereótipos em torno do consumo da bebida, tradicionalmente associada ao público masculino. “O Delas é um projeto poderoso que vai muito além da degustação. Ele foi pensado para reunir mulheres incríveis que atuam em diversos setores e assim gerar conexão e trocas genuínas. Proporcionar espaços onde as mulheres se sintam representadas nos dá a certeza de que seguimos na vanguarda, trabalhando para que esse universo reflita a força e a influência das mulheres no setor”, diz FabíolaDuarte, head de Comunicação Corporativa da Diageo Brasil.
O aumento do consumo de whisky pelas mulheres é impulsionado também pela crescente popularidade de coquetéis e pela preferência por bebidas com sabores distintos e sofisticados. VitóriaKurihara, premiada no World Class Competition 2024, considerado a “Copa do Mundo” da coquetelaria, nos ensinou sobre a força das mulheres ao longo da história das bebidas destiladas.
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da ES VOX.
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